A Teoria de Vygotsky
Vygotsky (1998) dedicou-se, principalmente, ao estudo das funções psicológicas superiores, buscando compreender os mecanismos psicológicos mais sofisticados e complexos que são típicos do ser humano e envolvem o controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes.
Este modo de funcionamento psicológico não está presente no indivíduo desde o seu nascimento, mas desenvolve-se a partir da interação do organismo individual com o meio físico e social em que vive.
· Vygotsky (1998), pressupõe que o homem, diferentemente de outras espécies, é um ser ativo. Pelo trabalho, transforma o meio produzindo cultura e criando instrumentos. Dessa forma, do mesmo modo que atua sobre a natureza, transformando-a, atua sobre si próprio transformando suas formas de agir e de pensar.
· Seus modos de perceber, de representar, de explicar e de atuar sobre o meio, seus sentimentos em relação ao mundo, ao outro e a si mesmo vão se constituindo nas suas relações sociais.
Um conceito central para a compreensão das concepções de Vygotsky é o conceito de mediação:
que representa o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação. A relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. |
· Nesta perspectiva, Vigotsky considera que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente, uma relação mediada por ferramentas auxiliares da atividade humana: os instrumentos e os signos.
· Por sua filiação teórica aos postulados marxistas, Vigotsky considera o trabalho como o processo capaz de unir o homem e a natureza, criar cultura e conferir-lhes historicidade. Dessa forma, ressalta a importância dos instrumentos na atividade humana que, como elemento interposto entre o homem e o objeto do seu trabalho, que ampliam as suas possibilidades de transformação da natureza.
· O instrumento, criado para atender um determinado objetivo, incorpora a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. Torna-se um objeto social e mediador da relação entre o homem e o mundo que, pela importância que adquire, é guardado para uso futuro e preserva sua função como conquista a ser transmitida aos outros membros do grupo social.
· Assim, é possível entender as relações entre cultura e trabalho como elementos essencialmente humanos e, portanto, historicamente produzidos.
“A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.), é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho.” |
· Segundo Vygotsky, instrumento é tudo aquilo que se interpõe entre o homem e o ambiente, ampliando e modificando suas formas de ação, já que ampliam os modos de ação naturais do homem e seu alcance. E o signo, comparado ao instrumento e denominado por ele de instrumento psicológico, é tudo o que é utilizado pelo homem para representar, evocar ou tornar presente o que está ausente.
· Enquanto o instrumento está orientado externamente e modifica o ambiente, o signo é internamente orientado modificando o funcionamento psicológico do homem.
· A partir dos estudos e experimentos realizados por Vygotsky e seus colaboradores, é possível perceber que a mediação de signos amplia as possibilidades de armazenamento de informações e de controle da ação psicológica.
· Dessa forma, o processo de mediação de signos, possibilita o aparecimento de comportamentos mais controlados, de ações motoras dominadas por uma escolha prévia, o aumento da capacidade de atenção e de memória e, sobretudo, permite maior controle do sujeito sobre sua atividade.
· A analogia que Vygotsky faz entre os instrumentos de trabalho e os signos possibilita que os mesmos apareçam como marcas externas, que oferecem um suporte concreto para a ação do homem no mundo.
· No decorrer do desenvolvimento humano, através do processo que Vygotsky denomina de internalização, os signos como marcas externas transformam-se em processos internos de mediação.
· Os signos internalizados – representações mentais que substituem os objetos do mundo real – funcionam, como as marcas exteriores, evocando ou representando objetos, eventos e situações. Essa possibilidade de operar mentalmente sobre o mundo liberta os homens do espaço e tempo presentes e da necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento.
· Desta forma, as representações mentais da realidade exterior são os principais mediadores da relação do homem com o mundo que, pelo desenvolvimento da atividade coletiva de trabalho, das relações sociais e do uso de instrumentos e signos comuns, passam a ser compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social.
· O grupo social, por sua vez, desenvolve sistemas simbólicos que organizam estes signos coletivos em estruturas complexas e articuladas, permitindo a comunicação entre os componentes do grupo e o aprimoramento da interação social. Assim, os sistemas de representações da realidade são socialmente dados e fornecem aos membros do grupo cultural formas de perceber, organizar e operar sobre o mundo.
· É a partir de sua experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de organização do real, que os membros de um grupo cultural vão construir um sistema de signos, que lhes permitirão desvelar o mundo.
· Segundo Vygotsky, a vida social é um processo dinâmico onde o sujeito é ativo e está num constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados. A interação social, através da relação interpessoal concreta ou através dos diversos elemento do ambiente culturalmente estruturado, fornece as bases para o desenvolvimento psicológico do sujeito.
· Neste processo interativo, as reações naturais de respostas aos estímulos do meio entrelaçam-se aos processos culturalmente organizados, transformando-se em modos de ação, de relação e de representação caracteristicamente humanos.
· Nesta perspectiva, a relação entre o homem e o meio físico e social não é natural, e sim mediada por produtos culturais humanos e pelo outro. É importante, no entanto, considerar que a utilização dos instrumentos e dos signos não se limita à experiência pessoal de um indivíduo; seu uso e sua finalidade nos são transmitidos nas nossas relações com o outro, fazendo-se, portanto, necessário considerar as possibilidades do indivíduo dispor de acesso aos instrumentos físicos e simbólicos, historicamente desenvolvidos.
· Num mundo onde o ato de ler – que para Paulo Freire (1994) representa a idéia de que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” – ocupa um lugar relevante na formação do indivíduo como cidadão participante da vida sócio–política e cultural, o processo de alfabetização deve conceber a leitura e a escrita de uma maneira que seja gradativa e ampla. Gradativa no sentido de respeitar o processo de cada indivíduo e ampla no sentido de ser uma atividade de assimilação de conhecimento, de interiorização e reflexão.
· Assim, o processo de aquisição da leitura e da escrita passa a ser uma mudança na postura do próprio indivíduo e um meio através do qual ele se apropria do social de uma forma particular.
· Vygotsky afirma que a linguagem, sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, é um produto histórico e significante da sua atividade mental, mobilizada a serviço da comunicação, do conhecimento e da resolução de problemas.
· Tem origem e se realiza nas relações entre indivíduos organizados socialmente, mas também constitui a reflexão, a compreensão e a elaboração das próprias experiências e da consciência de si mesmo. É constitutiva da atividade mental humana, sendo, ao mesmo tempo, um processo pessoal e social.
· Além de indicar um objeto do mundo externo, especifica as principais características deste objeto, generaliza as características percebidas e as relaciona em determinadas categorias.
· Vygotsky considera que a palavra, como produção cultural humana, não se desenvolve em nós naturalmente. É nas nossas relações com o outro, nas nossas interações, que ela vai sendo incorporada às nossas funções biológicas, aos nossos modos de perceber e de organizar o mundo.
· A elaboração do mundo tem como intermediário o outro. Por sua mediação, revestida de gestos, atos e palavras, vamos nos integrando à cultura, vamos aprendendo a ser humanos.
· Pela palavra do outro, pela sua presença, pelo seu encorajamento a cada pequeno evento que indica nossa progressiva humanização, reconhecemo-nos, somos nomeados e nomeamos.
· No entanto, as palavras não são formas isoladas e imutáveis, são produzidas na dinâmica social e seus significados não são estáticos. Uma palavra que nasce para designar um conceito vai sofrendo modificações, vai sendo reelaborada no jogo das práticas e das forças sociais.
· Dessa forma, pensamento e palavra se articulam dinamicamente na prática social da linguagem.
· Faz-se, portanto, necessário apreender: as atividades intelectuais envolvidas, os modos como a palavra dirige essas atividades e as condições de interação em que elas vão sendo produzidas, destacando a necessidade de diferenciarmos as condições em que a elaboração do conhecimento se dá nas relações cotidianas e nas relações de ensino vividas no contexto escolar.
· Nas relações cotidianas, os homens compartilham palavras, utilizando-as nas situações imediatas em que estão envolvidos, aplicando-as a elementos nelas presentes. A atenção está centrada na própria situação e não na atividade intelectual que estão desenvolvendo enquanto a vivenciam.
· Nas relações escolarizadas, interagem numa relação social específica, a relação de ensino. Sua finalidade imediata, ensinar e aprender, é explícita para seus participantes que ocupam lugares sociais diferentes no papel de aluno e no papel de professor.
· O aluno necessita de oportunidades para adquirir novos conceitos e palavras na dinâmica das interações verbais, mediadas pelo professor que participa ativamente do seu processo de elaboração conceitual.
· Para o aluno, pensar sobre o seu próprio modo de utilizar a palavra é uma atividade intelectual complexa e nova, já que ele está acostumado a utilizar as palavras nas relações cotidianas, e não a pensar sobre elas.
· A partir das perguntas feitas pelo professor, os alunos selecionam os fragmentos de suas experiências, articulam e ordenam esses fragmentos na resposta, organizando verbalmente o pensamento e elaborando justificativas.
· Não se pode dizer que as respostas elaboradas pelos alunos sejam decorrentes apenas da especificidade do seu modo de pensar, nem que sejam um mero reflexo de suas vivências, elas são uma resposta ao outro numa relação social específica, a relação do ensino.
Um outro conceito central para a compreensão das concepções de Vygotsky (1998) é o conceito de
zona de desenvolvimento proximal:
“distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” |
· Dessa forma, o professor, ao possibilitar o acesso dos alunos às atividades intelectuais ainda não incorporadas por eles, contribui para o desenvolvimento de seus conceitos iniciais, que são deslocados do processo de utilização da palavra nas situações imediatas para o de reflexão sobre a própria linguagem a ser desenvolvida pelo aluno.
· A intervenção do professor contribui para o desenvolvimento proximal dos alunos uma vez que atua sobre atividades psíquicas neles emergentes, fazendo-os avançar no raciocínio e começar a se darem conta dele para poderem responder ao outro.
· Através de suas perguntas, o professor não nega nem exclui as definições iniciais dos alunos; ao contrario, ele as problematiza e as “empurra” para outro patamar de generalização, levando-os a considerarem relações que não foram incluídas nas suas primeira definições, provocando reelaborações na argumentação desenvolvida pelos mesmos.
· Os modos como os alunos definem as palavras ou conceitos dizem respeito ao lugar por eles ocupado na sociedade e à experiência histórico–cultural do grupo social a que pertencem. Assim, o que de início poderia parecer falta de compreensão ou especificidade do pensamento infantil pré–lógico é, na verdade, uma forma de elaboração condizente com um determinado lugar social e com a experiência histórico–cultural do grupo que produziu esta elaboração de sentido.
· Ao prestarmos atenção na possibilidade de construção de vários sentidos, vamos percebendo que as palavras são elementos de interação e de constituição de identidades e que é nas relações sociais que a “neutralidade” das palavras se desfaz.
· A partir destas concepções, pressupõe-se que ao considerarmos os conhecimentos sistematizados em sua história, em sua relação com a sociedade, em sua relação com a vida das pessoas que os utilizam, redefinimos a relação de ensino como relação de partilha e de articulação de saberes.